Nesta Semana da Mobilidade, o Mobilize Brasil completa seis anos de atividades. Concebido e dirigido por Ricky Ribeiro, o Mobilize começou a ser estruturado no final de 2010, mas somente em setembro do ano seguinte, exatamente nas vésperas do Dia Mundial Sem Carro, o portal nasceu para o público.
Para marcar a data, publicamos a visão de alguns colaboradores e apoiadores sobre os avanços (ou retrocessos) obtidos pelo Brasil na área de Mobilidade Urbana Sustentável ao longo desses 2.200 dias. Continuamos a série com o texto de Olimpio Alvares, especialista em poluição gerada pelos transportes.
"A discussão da mobilidade urbana, ainda mais com a participação da sociedade, ganhou grande impulso nos últimos dez anos. O que se vê é um lento processo de transição para um modelo de mobilidade sustentável. A nova lei federal de mobilidade urbana (Lei nº 12.587/2012) é exemplo disso: um marco, uma revolução conceitual, uma quebra de paradigma que inverte as prioridades no campo da mobilidade. Pelo menos no papel, a lei coloca o pedestre no topo da cadeia, depois os ciclistas e o transporte público; o transporte individual vem por último e perde o status de dono absoluto de todas as prioridades nas decisões e investimentos na área. É claro que essa inversão positiva de valores ainda não se reflete na realidade das normas e procedimentos locais e na realidade física das cidades; no entanto, podemos perceber mudanças e avanços pontuais importantes.
Transporte motorizado limpo
Neste campo, há boas e más notícias. A boa notícia é que os veículos novos comercializados no país melhoraram muito em relação aos antigos; eles vêm com emissões menores, combustíveis mais limpos e renováveis, como o etanol e o biodiesel adicionado ao diesel, que segue aumentando seu teor no diesel comercial. O próprio diesel ou por um processo de melhoria ambiental, com teores de enxofre reduzidos (nas metrópoles, estamos com um diesel similar ao diesel sueco, com 10 ppm de enxofre - Diesel S10). Com isso, será possível adotar tecnologias avançadas de filtração das partículas nanométricas de fuligem cancerígena. Esse o será dado na próxima fase, ainda não regulamentada no Brasil, do programa de controle de emissões veiculares Euro 6 (fase P8 do Proconve diesel).
Essa tecnologia já é adotada desde 2010 nos países desenvolvidos, mas por aqui tem sido procrastinada por resistência da industria automotiva, com complacência do setor ambiental.
Material particulado
Por lei, a inspeção veicular é obrigatória há 20 anos. Se a lei fosse cumprida pelos governos estaduais, reduziria em 20% as emissões de material particulado ultrafino da frota diesel inspecionada, com melhorias na qualidade do ar dos grandes centros da ordem de até 6%, bem como reduziria emissões de CO2 fóssil de toda a frota inspecionada em cerca de 5%.
O conceito da inspeção veicular, embora correto, é frágil no que se refere à lei e sua regulamentação, que definem procedimentos técnicos desatualizados em relação à atual realidade tecnológica; e por não preverem penalidades para os tomadores de decisão que, por razões eleitoreiras, não implementam a inspeção obrigatória anual. Por outro lado, a boa notícia vem de São Paulo, onde prefeitura e governo do estado anunciaram a intenção de dar as mãos para implementar a inspeção prioritária dos veículos a diesel em todo o estado, incluída a capital.
Na outra ponta, aguardamos que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) inclua na sua pauta a correção da distorção na regulamentação da comprovação da durabilidade dos catalisadores de motos e de automóveis, que hoje não atendem às necessidades de qualidade para melhorar a qualidade do ar. Aguarda-se também que o Conama inclua na pauta a regulamentação (que está pronta) do dispositivo a ser instalado nos veículos leves novos, capaz de reter e eliminar as emissões atmosféricas que normalmente ocorrem no momento de abastecer os veículos nos postos. Nos países desenvolvidos, desde 1996 esse dispositivo é item obrigatório nos veículos e contribui em muito para a redução da poluição urbana por ozônio.
Avanços no transporte limpo
Nos últimos cinco anos, vemos a penetração acelerada do transporte eletrificado de emissão zero (no uso final) em outros países. Essa revolução na mobilidade motorizada limpa acaba de desembarcar por aqui com a instalação de uma montadora chinesa em Campinas para produção local de veículos elétricos. Mas, estamos apenas no início de um processo que demanda muito mais apoio e incentivos do governo federal do que efetivamente ocorre hoje.
Por conta da postura resistente dos órgãos ambientais, que continuam ando à população uma mensagem oficial dúbia sobre a qualidade do ar e os riscos cardiorrespiratórios da adoção de Padrões de Qualidade do Ar (PQAr) desatualizados (de 1990), a sociedade brasileira deixa de exercer a necessária pressão sobre os governantes. Isso impede que os programas básicos de controle de emissões veiculares e de fontes fixas, que fazem parte do cardápio rotineiro mínimo dos países que zelam de fato pela saúde pública, sejam implementados e constantemente aperfeiçoados. O bom é que esse quadro está mudando e os organismos de defesa do direito e interesse públicos já se engajaram na cobrança de PQArs atualizados. Embora por ora predomine nas discussões a resistência do desequilibrado (quanto à composição das forças sociais) Conama, o debate segue a pleno vapor em Brasilia."

*Olimpio Alvares é diretor da L'Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica e emissões veiculares e colaborador do Mobilize Brasil
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