Na semana ada, mais uma cidade europeia, a sa Dunquerque, adotou a tarifa zero nos transportes. Trata-se de uma cidade média - reúne uma população de quase 200 mil habitantes - mas essa medida demonstra um movimento que vem se ampliando na Europa, e já está sendo avaliado por grandes capitais. Mas como isso se reflete no Brasil?
Desde junho de 2013, o assunto da tarifa no Brasil ganhou força e repercussão, mas no dia a dia das pessoas o impacto foi pequeno. As tarifas continuam a aumentar sequencialmente e não se avançou sequer em pequenas ferramentas para mudar esse cenário.
Enquanto isso, em outros países, a discussão avança com mais profundidade. Além do exemplo francês, a cidade de Tallin, capital da Estônia, e cidades chinesas estão adotando a tarifa zero. O movimento vem se ampliando também em cidades maiores como Bucareste, capital da Romênia, e Paris, que estão estudando a medida. Na Estônia, o exemplo da capital é estudado para ser ampliado para todo o país.
É sabido que esses países estão em outro grau de discussão de políticas públicas, e têm realidades bem diferentes da nossa. Mas a justificativa que os levou a adotar a isenção da tarifa, e algumas das ferramentas que utilizaram para isso, podem e devem ser estudadas e adaptadas para a nossa realidade.
Exemplo de Dunquerque
Nesses locais, o projeto não está sendo adotado como uma medida irresponsável ou inconsequente. Muito pelo contrário, ela está embasada em fontes de financiamento estáveis e possui objetivos semelhantes aos que são discutidos no Brasil.
Dunquerque, por exemplo, lançou o seu projeto na semana ada em evento que contou com a participação do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor). No evento, os gestores frisaram que os objetivos do projeto são duplicar o uso do ônibus na cidade, reduzir a emissão de poluentes pelo desestímulo do uso do carro, e reaquecer o comércio aumentando a circulação de pessoas.
A cidade adotou a tarifa zero neste mês, após dois anos de testes com transportes gratuitos nos fins de semana, o que aumentou o uso do ônibus em 78% nos domingos, um resultado ótimo para a qualidade do ar e para a cidade.
No Brasil
Além destes objetivos, que são muito semelhantes aos desejados pelas grandes cidades brasileiras, em função da nossa má qualidade de ar e dos altos índices de trânsito, o Brasil teria uma necessidade ainda mais urgente para adoção da tarifa zero, que é a grave desigualdade social. Nas nossas cidades, frequentemente, pessoas deixam de usar o transporte para andar a pé, forçados pelo alto custo das tarifas.
Em Dunquerque, Rafael Calabria explica as políticas de gratuidade existentes no Brasil
No evento em Dunquerque, o Idec levantou essas características sociais do Brasil, que resultam em um longo histórico de demandas sociais por reduções da tarifa ou e livre. Isso ocorre de forma diferente na Europa, onde a medida tem sido adotada mais por necessidade econômica e ambiental, pois não há uma demanda social forte sobre esse assunto.
Financiamento
Mas embora os objetivos sejam semelhantes, uma questão ainda é bastante divergente entre os exemplos internacionais de cidades com tarifa zero e as cidades brasileiras: a forma de financiamento do transporte; em outras palavras, como pagar esse custo.
Em Dunquerque, mesmo antes da introdução do e livre, a prefeitura já arcava com 85% dos custos do transporte, tendo esse valor internalizado no orçamento da cidade, assim como os custos de educação, por exemplo. Para cobrir o valor final foi introduzido uma pequena taxa aos comércios locais, e se espera que os benefícios com o aumento da circulação de pessoas banquem este custo com larga margem. Em Paris se estudam medidas como a tributação específica do uso do carro particular, já que os valores necessários para a capital sa são bem mais altos, assim como o nível de poluição do ar decorrente do transporte particular.
França: cidades que adotaram a gratuidade do transporte
Fonte: www.metropolitiques.eu/Dunkerque-nouveau-laboratoire-de.html
Embora no Brasil qualquer tributação do uso do carro ainda esteja nos níveis das propostas, é exatamente isso que a nossa lei federal, a Política Nacional de Mobilidade Urbana, sugere para que as Prefeituras e Estados reduzam o custo do transporte ado o usuário final. Já que toda a sociedade se beneficia do aumento dos transportes, tanto na mobilidade como a qualidade ambiental, é bastante justo que medidas neste sentido sejam estudadas e adotadas. As opções são diversas, desde a cobrança de estacionamentos em locais públicos até tributação da gasolina. Essa diversidade ainda é importante para não sobretaxar nenhuma atividade individualmente.
No Brasil, aproveitando este momento de discussão eleitoral e de crise econômica e de combustíveis, seria importante que o País asse a analisar os exemplos internacionais e avançasse na discussão que ainda está muito tímida por aqui. A capital sa irá publicar seus estudos de viabilidade de e livre no dia 12 de outubro, e seria importante que a França se tornasse uma fonte de influências para o Brasil nesta pauta também, e não apenas na moda e na gastronomia.
*Rafael Calabria é pesquisador em Mobilidade Urbana do Idec.
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