Em 2007, quando o Brasil ainda era apenas um candidato a receber jogos da Copa do Mundo de Futebol, o Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco) iniciou uma série de visitas a estádios das capitais brasileiras para avaliar a situação daqueles equipamentos. Os resultados apontaram um enorme desafio para colocar as futuras arenas da Copa em dia com as exigências do futebol internacional.
No ano seguinte, a equipe do sindicato começou a verificar outros aspectos das cidades-candidatas: saneamento, educação, hotelaria, aeroportos e também mobilidade urbana. Acreditava-se que a vinda da Copa de 2014 poderia ser uma boa oportunidade para renovar a infraestrutura dessas capitais e aproveitar a ampla experiência em planos e projetos de transporte acumulada por empresas brasileiras.
ados seis anos, o Brasil conseguiu sim reformar e construir nas 12 cidades-sede os novos estádios, que hoje estão entre os mais modernos do mundo. Mas nada, ou quase nada foi feito para melhorar os sistemas de transporte dessas localidades. Há alguns corredores de ônibus em construção, algumas inovações como o aerotrem em Porto Alegre, os teleféricos no Rio de Janeiro, duas linhas de Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) em execução e várias obras viárias. E dezenas de construções abortadas por falhas ou insuficiências em projetos. Assim, salvo poucas exceções, não haverá novos sistemas de transporte até 2014.
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Como resultado, temos hoje os congestionamentos que “entopem” ruas e avenidas das grandes capitais, com prejuízos estimados em dezenas de bilhões de reais por ano, sem considerar os danos ambientais e os problemas de saúde daí gerados. “As cidades ficam menos competitivas, perdem negócios pela falta de planejamento”, afirma Ailton Brasiliense, presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).
Um dos problemas fundamentais que levaram a todas essas ‘deseconomias urbanas‘ nas cidades do Brasil é o planejamento não executado, avalia Emilio Merino, arquiteto e urbanista, assessor da Comissão de Mobilidade Urbana da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. “Nos anos 1970, foram criados o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (Geipot) e a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), dois organismos que considero muito importantes para o planejamento da mobilidade urbana no Brasil. Esses organismos tinham corpo técnico qualificado em universidades da Europa e dos Estados Unidos e tinham a função de assessorar as cidades brasileiras”, lembra Merino.
Segundo o especialista, algumas capitais, como Porto Alegre e Curitiba, se beneficiaram desse trabalho, e iniciaram ainda naquela época o processo de implantação de corredores
segregados de transporte. E deram um salto substancial no processo de mobilidade. No entanto, os dois órgãos foram extintos e criou-se um grande vazio de planejamento
que contribuiu para a situação atual, avalia.
“Hoje o Ministério das Cidades tem disponíveis 50 bilhões de reais para investir no transporte público, mas não há projetos de qualidade para tomar esses recursos”, confirma Ailton Brasiliense. A constatação foi reiterada pelo próprio governo, em outubro, na avaliação dos avanços do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em entrevista coletiva no dia 17 de outubro, os ministros Miriam Belchior (Planejamento) e Aguinaldo Ribeiro (Cidades) reconheceram as dificuldades em consolidar os investimentos na área. Segundo a ministra, o governo recebeu demandas de R$ 84,4 bilhões, mas “parte considerável não possui projetos”, disse ela. Miriam Belchior listou 23 projetos aceitos pelo Ministério, que totalizam R$ 13,4 bilhões, a maior parte em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre. Outro fator importante para o ime foi o baixo investimento no transporte coletivo, afirmam os técnicos. “Nas grandes cidades foi feito um investimento muito forte voltado para os carros, e quase nada para promover os modos não motorizados ou o transporte coletivo”, diz Merino. Esse processo começou nas décadas de 1970 e 1980 e gerou o quadro dos anos 2000, em que cidades com milhões de habitantes não têm metrô, ou possuem uma infraestrutura de transporte obsoleta e subdimensionada.
“Os governos simplesmente tiraram da pauta os investimentos em transportes públicos e consideraram que cada cidadão deveria se virar para encontrar sua forma de transporte, o que acabou estimulando o crescimento da frota de automóveis”, explica Ailton Brasiliense. Ex-diretor do Denatran, ele viu a frota de veículos dobrar em 15 anos e acredita que o Brasil ainda vai dobrar novamente seu parque de carros em menos de 20 anos e chegar a 120 milhões de veículos.